As empresas estão ganhando dinheiro usando os dados pessoais de toda população. Parece óbvio, certo? Há menos de um ano de vigência da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, a ficha caiu. E é justo pausar para considerar como é fundamental para quase todas as empresas que atuam na presente realidade, em um mundo cada vez mais digital, a busca incessante pelo tratamento e a utilização de trilhões de bytes em dados online para transformá-los em lucro.
Contudo, da mesma forma que empresas de todos os tamanhos e atividades buscam explorar financeiramente os dados pessoais, a maioria delas ainda age com resistência à inexorável aplicação de parâmetros para defesa da privacidade dos titulares dos dados. Em vez disso, insistem em agir como se os dados estivessem à disposição para serem utilizados livremente de acordo com seus interesses comerciais, corporativos e negociais.
As empresas usam os dados online – sejam decorrentes de posts, avaliações de produtos, número de acessos a sites, volume de likes que certos influenciadores digitais ou toda a demais gama de informações disponíveis – na expectativa de atingir o propagado Kaizen. Desta forma, assim como as corporações buscam utilizar o que se percebe como valorosos bens para atingir os objetivos de seus acionistas, deveriam também estar atentas aos reflexos inevitáveis da proteção de dados, notadamente os aspectos positivos para a empresa e à sociedade como um todo.
Vantagem competitiva
Assim como a reputação digital é considerada como capital corporativo, motor e estímulo maior para que, antes da vigência da LGPD, as empresas invistam na adequação aos princípios básicos de proteção dos dados, é crucial ressaltar que a incorporação de políticas de governança para proteção de dados deve ser vista não só como vantagem competitiva para empresas, mas como verdadeira mudança de paradigma para todo o ambiente empresarial.
Além disso, poucos observam que, no mundo digital, além da percepção pública sobre o respeito à privacidade dos cidadãos, a implementação de um programa de proteção de dados trará importantes repercussões para todos os stakeholders.
Nesse sentido, é importante reconhecer a capacidade disruptiva da aplicação e implementação da proteção de dados pessoais, pois implicará na transformação em como o tratamento de dados é percebido pela sociedade. E um dos aspectos que deveria ser festejado é a repercussão junto ao mercado de trabalho.
Mesmo agora, enquanto a maioria dos empresários ainda aguarda e planeja o melhor momento para buscar se adaptar aos novos critérios de privacidade e proteção de dados, já se percebe grande movimento decorrente dessa nova realidade. E aqui não nos referimos apenas a consultores, advogados, técnicos em tecnologia da informação ou especialistas em compliance, mas de toda gama de profissionais e prestadores de serviços.
Novas demandas do mercado
Essa realidade é facilmente perceptível, bastando observar a quantidade de eventos, cursos, seminários e congressos disputados em que se discute a proteção de dados em todas suas esferas e para diferentes áreas de atuação. O volume de discussões sobre o tema e o grande afluxo de interessados decorrem justamente da percepção de que o respeito à privacidade e o tratamento de dados pessoais seguindo aqueles parâmetros fixados pelas legislações brasileira e global marcarão a atuação corporativa nos próximos anos.
Isso porque, para que a proteção dos dados pessoais ocorra de forma eficaz, todos os profissionais envolvidos no tratamento dos dados deverão ser suficientemente treinados. Novos trabalhadores também terão que ser incorporados ao negócio, pois a LGPD incorpora elementos ao tratamento de dados – como prontidão para responder às demandas por informações, a inversão do ônus da prova e a implementação de um sistema de segurança das informações sob responsabilidade das empresas – que implicarão em acréscimo significativo na ativação de profissionais atuando em tal área.
Como o mercado está inserido numa realidade digital bastante dinâmica, não bastará às empresas apenas oferecer treinamentos esporádicos aos seus colaboradores, até pelos riscos de ataques cibernéticos cada vez maiores. É fundamental a atuação conjunta de todas as áreas, inclusive algumas ainda não adaptadas a tais demandas. Essa necessidade permitirá a criação de novos postos de trabalho e de oportunidades para prestadores de serviços.
Em tempo real
Quando a agência responsável pela fiscalização do tratamento de dados, a ANPD, tiver orçamento próprio, será implementado um sistema para troca de informações e prestação de esclarecimentos em tempo real. Isso quer dizer que as empresas deveriam já estar em fase de desenvolvimento de um sistema de governança para segurança da informação.
Considerando que a expectativa mundial sobre o futuro do trabalho é cada vez mais preocupante, já que a automação de várias atividades antes desempenhadas por pessoas é uma realidade que se impõe, seria saudável que as corporações, percebendo essa nova realidade trazida pela proteção dos dados, concentrassem esforços para treinamento e contratação de trabalhadores para lidar com as demandas, que são cada vez maiores e decorrentes da plena observância dos preceitos da privacidade das pessoas. Essa atitude, por sua vez, traria efeitos positivos sobre o mercado de trabalho.
A transparência é hoje uma exigência do consumidor, que, cada vez mais, cobra e fiscaliza padrões éticos antes de escolher qual produto ou serviço irá adquirir. A empresa que garantir o cumprimento dos preceitos da LGPD estará criando não somente novos postos de trabalho, mas fortalecendo seu compromisso com a sociedade.
* Paulo de Tarso Andrade Bastos Filho é advogado especialista em compliance, que atua na implementação de programas de governança nas áreas de tratamento de dados pessoais, livre concorrência , tributário e anticorrupção.
Fonte: Revista PEGN